Ensaio

DIÁRIO DO BIOLCHI- O QUE APRENDI COM A MÁGICA DE RUA

No último domingo, dia 13 de julho de 2025, eu, João Biolchi, comecei uma nova etapa na minha carreira como artista. Já fazia um tempo que eu tinha o anseio e a vontade de seguir esse caminho, mas o medo, a insegurança e a procrastinação me faziam deixar para depois. Bom, eu estava certo em ter medo, pois fazer mágica na rua é algo muito desafiador, eu pensei que poderia fracassar, e eu estava certo.

Eu gosto de acompanhar e estudar a mágica de rua como um todo, desde a sua história até as melhores técnicas e abordagens já criadas pela humanidade e pelos mágicos. Há alguns anos, cheguei a escrever um pequeno post para a Mágica+ sobre o Gazzo, o maior mágico de rua do mundo, e sua incrível rotina de copos e bolas. Acontece que toda teoria do mundo é inútil quando você está na selva de pedras.

Eu sabia que poderia seguir o caminho X, Y ou Z, mas, na hora, foi muito mais desafiador do que eu pensava, e olha que eu já pensava que seria difícil. Contudo, não foi difícil pelos motivos que eu previa.

Vou começar pelo começo: formar uma roda.
Eu sabia que seria complicado chamar a atenção, mas veja bem, eu sou mágico há anos, sou humorista e faço uma média de 5 shows por semana; eu tinha noção que seria difícil, mas também tinha segurança de que não iria ficar abalado com os olhares e conseguiria chamar a atenção das pessoas para entrarem na minha rodinha. Ledo engano: na terceira vez que tomei um NÃO categórico e fui olhado de cima a baixo, de baixo a cima, com aquela visão judicial que só o público na rua pode te proporcionar, o meu ego desmontou e eu fiquei mais murcho que pinto em dia de frio.

Mas, após romper com esse medo e abraçar a humildade no seu sentido mais visceral possível, eu consegui formar algumas rodas, consegui fazer bons shows de 10-15 minutos, mas aí começou o maior erro de todos, e esse é 100% meu.

As pessoas iam chegando de pouco em pouco, isso me desesperou e me fez tomar a pior decisão possível naquele momento. A roda começava com um grupo de 3 ou 4 pessoas que chegavam para ver uma mágica de perto. Logo em seguida, chegavam outras pessoas ao redor e a roda ia aumentando. O problema é que, a cada novo público que encostava na minha roda, eu corria para finalizar a mágica que estava fazendo para começar um novo efeito, tantava buscar que essa nova plateia pudesse assistir algo desde o começo. Mas, a cada 2 minutos, chegavam mais e mais pessoas, e aí a catástrofe começou.

Eu não finalizei nenhum efeito da maneira como estou habituado, eu corria, fazia tudo às pressas, com medo de perder o novo integrante da nossa festinha na rua. Esse foi um erro que eu percebi ali pela quinta ou sexta apresentação, mas, somando isso ao caos da Av. Paulista, ao medo de ser roubado e ao cérebro trabalhando a mil para conseguir gerenciar tudo aquilo, a desordem estava formada e eu não consegui mudar isso nem na última apresentação.

Eu faço mágica há uns 15 anos, vivo disso há uns 5 e faço shows toda semana há uns 3 anos. Tenho meus roteiros, meus textos, meus momentos de improvisação, minhas piadas e gags, mas tudo isso sumiu da minha mente ao me deparar com tantas variáveis como a rua pode te proporcionar.

Foi horrível? Pra mim, sim. Sei que as mágicas não estavam boas e, principalmente, a minha apresentação não estava no nível que deveria e poderia estar. Em determinado momento, eu consegui ser “mais eu”, voltei para minha persona cômica e fiz coisas mais surrealistas como de costume. No meio de uma mágica eu tirava uma galinha do bolso, arrancava uma orelha da orelha da pessoa, e foi nesse momento que as coisas começaram a melhorar. Percebi que não fazia sentido tentar criar uma persona muito diferente da que uso no palco, eu meio que já sabia disso, mas tentei buscar outro caminho, pois meus colegas me alertaram para eu ser “o mágico mais caricato possível” para atrair mais público. A verdade é que Dai Vernon estava mais certo nesse ponto: “be yourself”.

As coisas melhoraram, mas o dia estava na metade e eu precisava ir embora, pois ainda tinha dois shows em diferentes comedy clubs naquele mesmo domingo. Confesso que ter feito tantas apresentações no mesmo dia me fez chegar no palco do comedy e arrebentar e, sem nenhuma modéstia mesmo, eu fui muito bem nos shows daquela noite. O conforto do palco que eu já conheço, somado ao corpo ativo que as ruas me deram, me fez entrar em um estado “matador”, para os amantes de comédia, eu estava um verdadeiro “the killer”.

Escolhi mágicas clássicas, algumas moedas, aros, baralho, dado dinamite e copos e bolas, no caso, só um copo e uma bola. Acho que fiz uma boa seleção, mas a ordem estava errada. O Mestre Gazzo tem um livro inteiro só para falar de copos e bolas, Hieronymus Bosch tem uma pintura linda só para mostrar a força dessa mágica nas ruas. Eu fiz a minha versão em todas as apresentações, mas fiz no meio e talvez, apenas talvez, essa seja a mágica perfeita para fechar com chave de ouro um show de rua. É a arte do asfalto na sua mais pura essência: um copo, uma bolinha e qualquer coisa que caiba dentro dele e da sua mente.

Tomei como decisão que farei shows de rua todas as semanas, é uma nova etapa da minha vida e eu quero explorar isso, ainda mais depois de perceber que me ajudou muito no palco. Cheguei em casa no domingo morto de cansaço, mas muito realizado e pronto para estudar e estruturar melhor essa apresentação. Me senti bem por conseguir lutar contra o medo que as ruas me davam, me senti bem por fazer algo novo, mas, principalmente, por ganhar um trocado fazendo minha arte. Um amigo veio me elogiar, e a minha única resposta foi: “eu faço de tudo pra não ter que arrumar um emprego de verdade”.

Falando em amigo, quero deixar aqui meu agradecimento ao mágico Eduardo Cucick. Ele me viu fazendo mágica e parou pra assistir. Ele sabe que o que eu fiz estava ruim, que precisa melhorar, mas, mesmo assim, me deu uma das contribuições mais altas naquele domingo. Aquele gesto me pegou como um abraço, foi como se um colega (que já é um artista de rua) me desse aquele empurrão, falando “não para não”. Muito obrigado.

Eu achava que precisava ir pra rua, mas agora eu tenho certeza de que preciso estar lá.

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