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CRIATIVIDADE NA MÁGICA

O que é ser criativo, afinal de contas? Acho que a primeira coisa que me vem a cabeça é originalidade, mas ser original não significa necessariamente fazer algo nunca antes tentado, às vezes, somente significa usar uma abordagem incomum para a resolução de um antigo problema, ressignificar os parâmetros estabelecidos e propor um novo paradigma.

Dentro da mágica isso acontece muitas vezes, tantas que temos até um ditado: “Se você busca efeitos novos, procure em livros antigos”. E podemos ver essa ocorrência de ressignificações em grandes trabalhos, por exemplo, o pensamento estrutural da mágica desenvolvido por Ascânio se baseou na sua interpretação do que ele viu de Fred Kaps, o roteiro de carta ao número existe desde os tempos de Hofzinser mas é ao inglês David Berglas a quem nos referenciamos quando queremos dizer do ACAAN perfeito, ou ainda, o Berglas’ Effect.

Mas quando falo sobre ser criativo por meio da ressignificação procuro ir além do clichê de “pensar fora da caixa”, antes de pensar fora da caixa é necessário que se saiba trabalhar dentro dela. Antes de qualquer quebra de padrão ou regras é necessário que se conheçam as regras. 

Querer pular essa etapa de conhecimento te leva a entendimentos rasos, como não compreender que a construção do efeito mágico dentro da cabeça de uma pessoa é, ou pode ser, completamente diferente do que aconteceu em termos metodológicos. É não entender que o método não precisa ser complexo para que o efeito seja forte, é deixar de lado o que disse o maestro Lavand quando ele fala da beleza do simples, e que as coisas são simples, mas não simplórias. 

Existe um efeito de David Williamson que segue o seguinte roteiro, uma carta é selecionada e devolvida ao baralho, o mágico então retira uma carta do baralho, é uma carta errada, ele rasga a carta, a carta rasgada vira a carta do espectador, se reconstitui e depois é deixada sem nenhuma marca de dobra. Esse mesmo efeito foi transformado em um multiple selection por Dani DaOrtiz. Podemos utilizar isso como exemplo de uso criativo de regras auto impostas, essencialmente o que Dani fez foi impor a condição de um baralho sem duplicatas e ao fazer isso transformou o número de Williamson em seu próprio, ainda que o efeito siga, majoritariamente, pela mesma sequência de acontecimentos a diferença na natureza do número, que para Williamson é uma seleção que passa por alterações de estados e para Dani uma carta que se transforma em diferentes seleções ao ter seu estado alterado, torna os números completamente independentes entre si. Em termos mais técnicos, podemos dizer que, a partir da mesma lógica interna, surgem duas lógicas externas completamente diferentes.

Então o caminho da criatividade é claro. Passa, como todos os caminhos, por erros e acertos mas antes de tudo pelo conhecimento e utilização das regras para que então, em cima da ressignificação do conhecimento já existente possamos criar algo novo e de qualidade. 

No fim das contas é necessário conhecer a caixa para pensar fora dela, que a partir desse princípio possamos começar a traçar um caminho de estudos e criatividade realmente verdadeiro e novo. 

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