Nos últimos dias aconteceu o FISM, maior evento e competição de mágica do mundo. Os resultados gerais saíram sábado e hoje tivemos as notas de todos os competidores, que infelizmente foram baixas para a maioria dos latino-americanos que participaram, além de não ter nenhum destaque entre brasileiros. Diversas reflexões são possíveis diante dos números que se apresentam, mas antes de analisar esses detalhes, uma discussão sobre competições e premiações no âmbito artístico se faz necessária.

Reprodução da internet
A primeira pergunta que podemos discorrer sobre o assunto é o quanto as premiações realmente servem para medir boas apresentações, no caso do FISM se fala de atos já que o modelo da competição elege performances que vão de cinco a dez minutos. É nítido que as competições elegem bons atos, mas esse ponto nos leva a segunda questão do problema: seriam os melhores atos? Isso levanta ainda um terceiro problema: todos os atos bons são escolhidos? A resposta para ambas as perguntas é não.
Sendo assim, as competições medem sim bons atos, mas não necessariamente os melhores e nem todas as boas performances. Outro problema ainda, é que um artista ruim pode fazer um ato bom e ganhar a competição em virtude dos moldes que ela propõe. Não é difícil de imaginar um competidor com muito dinheiro, grandes inventores e um bom diretor por trás ganhando o FISM. Aliás, essa realidade não é muito distante da que vemos na competição, a América Latina perde e muito em estrutura, a maioria dos países ganhadores contavam com uma equipe técnica que acompanhou todo o processo, inclusive estando presente lá para a passagem de luz, som etc, o que nos mostra também como aspectos sociais influenciam os resultados.
Se compararmos com o Oscar, os prêmios literários ou qualquer premiação artística, temos uma realidade parecida, bons filmes e livros sendo selecionados, mas que não são necessariamente os melhores e nem todos os bons produtos artísticos sendo premiados. Fato é que as competições não servem para medir bons artistas, para analisar um caso materialmente, basta lembrar do FISM de 2015 no qual Shin Lim ganhou a categoria de cartomagia, um artista completamente acrítico, com um ato mediano – embora bom para época do ponto de vista de “efeitos especiais ao vivo” – que ganhou o primeiro lugar de maneira bastante duvidosa. É evidente também que competição envolve política, assim, os julgamentos são pré-definidos a partir de elementos extra-competição tornando a premiação algo que vai além dos critérios.

Calista e Lea Kyle. Masters Of Magic
Mas analisemos o FISM em questão, este que aconteceu em Turim – Itália nos últimos dias. Em primeiro lugar, é (ex)implícita a política quando olhamos que o grande prêmio foi para um homem italiano. Por outro lado, algo revolucionário aconteceu: duas mulheres no pódio na categoria de Magia Geral, Lea Kyle ganhando em primeiro lugar e Calista em terceiro lugar, muitos vibraram antes dos resultados achando que seria a primeira vez na história do FISM que teríamos o grande prêmio para uma mulher, mas Lea ficou apenas com o primeiro lugar da categoria.
O grande prêmio foi para o primeiro lugar em Manipulação, o italiano Francesco Della Bona, que compõe o show Incanti, um grupo italiano de pesquisa continuada em ilusionismo que faz grandes performances na Itália. Magia Geral (junto a Manipulação) sempre foi uma categoria de destaque no FISM, e ter duas mulheres no pódio demonstra uma enorme mudança social, fora elas duas, Mind2Mind, que é composto pelo casal James e Marina, ganharam primeiro lugar na categoria de Mental Magic, sendo assim, tivemos, pela primeira vez na história, três mulheres no pódio, ainda que uma delas divida o prêmio com um homem.
Entre os latino-americanos, se destaca o venezuelano Winston Fuenmayor, beirando o pódio com o quarto lugar em manipulação, embora com mais de dois pontos atrás do terceiro lugar (Shifu Huang), Alain Simonov, russo-brasileiro, ficou novamente atrás de Winston pegando sétimo lugar na categoria, o russo-brasileiro já havia perdido o flasoma para Winston no Brasil em 2022, ficando este em primeiro lugar ganhando também o Grand Prix e aquele em segundo lugar na categoria de manipulação.
Dos brasileiros que se destacaram, Célio e Rapha Santacruz ficaram entre os onze finalistas na categoria de mágica de rua, mas a vitória acabou indo para o americano Eric Evans e nenhum dos dois pegou o pódio. A categoria é novidade do FISM e poderia ter sido revolucionária, mas teve um tratamento secundário. A página oficial com os resultados finais não mostra a categoria de mágica de rua, nem as pontuações de cada artista. Os próprios critérios de seleção não foram claros, demonstrando mais uma vez o caráter político das competições com seleções a partir de critérios que não são intrínsecos às apresentações.
Em outras categorias os brasileiros tiveram baixos resultados, alguns ficando quase abaixo do nível FISM em nota. Mas isso, como já dito acima, não quer dizer em absoluto que a mágica brasileira seja ruim ou fraca. Bati muito nessa tecla e continuo batendo, devemos ser autóctones, ter uma mágica própria, com critérios artísticos próprios e não necessariamente se vincular aos critérios de uma federação que se preocupa mais com lobby do que com arte.

Jean Crapanzani
Everton Machado, por exemplo, ficou entre os últimos colocados, mas seu ato é potente do ponto de vista artístico, desvendou de maneira magistral a teoria de Ricardo Harada, criando um ato dramático com um efeito final super potente, a performance é um exemplo de um ato potente artisticamente, mas que não pontua por estar fora dos critérios FISMs que apontam para uma mágica cada vez mais atrelada a algo que pode ser categorizado como “efeitos especiais ao vivo”, o que é acrítico e não necessariamente compõe uma boa apresentação. O ato de Everton Machado é excelente, só não se enquadra nos critérios de uma competição que não mede arte, até porque é impossível de se medir arte matematicamente.
Outro exemplo que poderia ser citado é o chileno Arturo Fuenzalida (Al Parecer), ficando em penúltimo na categoria de Micro Magia, apenas acima de um competidor com nota considerada abaixo do nível FISM, o artista é conhecido por ter estudado Magie Nouvelle e misturar elementos surreais em sua performance, sua nota baixa realmente não condiz com a sua força artística absolutamente inovadora em diversos aspectos. O que diz se uma arte é boa ou não, são aspectos históricos, sociais e culturais e não pontuações que elevam efeitos de coisas que viram fumaça ou confete.

Reprodução. Masters of Magic
Como já dito acima, o FISM seleciona bons atos, mas muitos destes são acríticos e ruins do ponto de vista artístico, o que faz a competição caminhar para uma via cada vez mais de super-produção de efeitos cujo conceito ficará em segundo plano. A autoctonia tem de se livrar do FISM, criar uma escola própria, com critérios próprios e uma mágica de identidade forte que se coloque como original e própria. O FISM não é o caminho.
Para ter acesso detalhado aos resultados do FISM 2025 clique aqui.
P.S.: Quando disse que “Bati muito nessa tecla e continuo batendo, devemos ser autóctones”, me referia aos seguintes artigos que escrevi para este site: O Colonialismo Ilusionista: Por que a mágica brasileira ainda é importada e Por que a mágica brasileira precisa matar Mister M para nascer de verdade.