Autóctone
(au.tóc.to.ne)
a2g.
1. Que é natural da região onde habita ou se encontra (povo autóctone, flora autóctone); ABORÍGINE; INDÍGENA [P.opos. a alóctone.]
2. Geol. Diz-se de rocha formada por elementos originados no próprio local de sua formação [P.opos. a alóctone.]
3. Med. Que se formou no lugar em que é detectado (tumor autóctone)
4. Ling. Diz-se da língua que primeiramente se forma e é falada numa região, num país etc.
s2g.
5. Habitante nativo de uma região; ABORÍGINE; INDÍGENA
[F.: Do gr. authócton, on, pelo lat. autochthon, onis.]
(FONTE: https://www.aulete.com.br/autóctone)
Palavra importante quando se fala de arte. Mas antes, viajemos um pouco para a mágica brasileira e suas expressões significativas. Um fenômeno histórico, ainda que recente, muito curioso é o fator Mister M, figura extremamente popular quando se fala de mágica no Brasil e que hoje – surpreendentemente – divide a opinião de alguns mágicos, ainda que a maioria seja contra. Não quero discutir aqui a revelação ou não de mágica, pois isso é uma batalha perdida, a revelação é um fato do qual, nós mágicos, temos de lidar. O ponto aqui é a construção da imagem de um mágico no Brasil.
Figuras populares são eixos contraditórios quando o assunto é arte. Por um lado, trata-se daqueles que conseguiram disponibilizar acesso para a grande parte da população enquanto por outro são aqueles que moldam a ideia do que determinado objeto é no imaginário coletivo. Explico atribuindo materialidade: Mister M é uma figura que disponibilizou acesso à mágica para uma grande parte da população brasileira através da grande mídia, moldando uma leitura sobre o que a mágica é, ainda que ela seja muito mais. Aqui creio que está a chave da questão sobre “acesso”, ideia muito falsa quando se trata de Mister M, porque o que ele faz é obnubilar (palavra usada por um dos principais teóricos da mágica, Arturo de Ascanio, que significa “tornar algo obscuro, causar perturbação da consciência”) o que é mágica. Em outras palavras, Mister M causa uma leitura não verossímil sobre a mágica. Ao comparar com a Espanha, uma das figuras mais populares foi Juan Tamariz, que causou da mesma forma um molde de leitura sobre o que é mágica e o país se tornou uma das maiores potências práticas e teóricas do ilusionismo.
O fato contraditório, ou se quiserem uma palavra mais bonita: a dialética, é que nem todo acesso permite acessar algo, muitas vezes impede. Mister M é, justamente, o acesso que atrapalha acessar uma mágica verdadeiramente de qualidade estética e artística. Fica aqui o apelo: esqueçam essa figura, mágica não é isso. Esse fenômeno é o que torna figuras como Felipe Barbieri um mágico visto como bom, como aquele que disponibiliza acesso, o que é um resultado ridículo da mágica brasileira e o que faz com que sejamos um país sem uma mágica própria e, para variar, sem identidade.
Outro fator: quase todos os mágicos que vejo são Mister Ms: cheios de roupas pretas com um ar pseudo-misterioso em vestimentas que remetem a uma Europa de outras décadas. A mágica brasileira precisa de uma busca autóctone, precisa achar o seu caminho próprio, tal qual Mário de Andrade dedicou a vida e, com isso, conseguiu atualizar a estética da literatura brasileira, tal qual Tarsila do Amaral buscou nas pinturas e conseguiu atualizar as artes plásticas do Brasil. É necessário esquecer uma figura mascarada ou um roqueiro tatuado com uma imagem tosca e brega de hard rocker e buscar uma forma brasileira de fazer arte. E o apelo é também que busquem outro tipo de mágica, afinal, o melhor teórico do mundo é brasileiro: Ricardo Harada. Inclusive sua teoria foi muito bem desvendada recentemente e ajudou a trazer ao Brasil o mais recente campeão latino-americano de mágica, o brasileiro Everton Machado. Chega de Mister M, chega de Barbieri, chega de influências estéticas estrangeiras e é aí que voltamos a definição dicionarista do começo: por uma mágica brasileira autóctone!
E você leitor, espero que depois disso, lembre-se de que a mágica que te deram acesso não é a mágica verdadeira, isso na verdade atrapalhou o seu verdadeiro acesso a uma arte rica e cheia de qualidades. Infelizmente você viu Mister M e não viu Ricardo Harada.
Agradeço à Everton Machado pelas diversas discussões que trouxeram as reflexões que coloco aqui neste artigo de entrada para o Adoro Mágica.