Conheci o Everton no Assombroso, evento do SESC Sorocaba que reunia mágicos de diversos lugares. Depois, conforme o combinado, ficaríamos alguns dias a mais para o Jornadas, evento organizado por Bernardo Sedlaceck no qual mágicos se reuniam para discutir ideias, teorias e técnicas. Na época, já se mostrava promissor para competições com uma versão de cone e bola feita com uma cuia de tereré, remetendo ao Mato Grosso do Sul na região da fronteira com o Paraguai, lugar onde ele morava na época.
Depois nos reencontramos quando ele compôs o elenco de um show de diversidades no SESC Ipiranga. Como Everton queria ficar um tempo a mais em São Paulo, ofereci minha casa para que ele se hospedasse. Na época meus horários não eram tão regrados, tão pouco os dele, o que resultou em madrugadas inteiras de discussões teóricas e práticas sobre mágica cujo tema passava por Eugene Burger, Juan Tamariz, Ascanio e, sobretudo, Ricardo Harada. Ele já visava desvendar a teoria haradiana na prática para compor uma apresentação, na época ainda o ato usando elementos do tereré falando da fronteira.
Dei uma pausa. Saí do instagram um pouco após a pandemia, o que fez com que ficasse por fora dos acontecimentos da comunidade mágica latino-americana. No mês que voltei para as redes, soube que Everton estava indo competir o FLASOMA, o campeonato mais importante da América -Latina com um ato que eu não conhecia: O Pintor do Absurdo. Também soube que ele já havia ganhado o Campeonato Brasileiro de Ilusionismo no Rio de Janeiro. Quando ele ganhou o maior prêmio da competição latino-americana, o parabenizei e então retomamos o contato.
Foi quando ele me disse que estava se mudando para São Paulo, pois a cidade ofertava uma gama cultural maior para atuar com o ato campeão futuramente. Destino? Conversei com minha esposa e oferecemos a nossa casa para ele, já que ele precisava de um lugar para ficar até achar um apartamento. Rumo ao FISM, o campeonato mundial de mágica, eu e ela estávamos animados por ajudar a mágica brasileira a competir na Itália. Destino?. Depois de se organizar, Everton veio para São Paulo, chegou em casa com duas malas grandes e disse que tinha mandado quatro caixas por uma transportadora para retirada no bairro do Brás. É aqui que o destino começou a mandar seus ventos indecifráveis. Aquele ar que respiramos sem perceber como e o quanto nossas escolhas afetam nossos passos em um chão líquido errante, seguimos andando, sem nunca saber quando iremos escorregar. Pois bem, aqui o destino mandou e Everton, sem escolha: obedeceu.
Ele foi buscar as caixas. Chegando lá, só havia seu cavalete de pintura, alegaram que apenas com seu nome retiraram as quatro caixas que continham inúmeros objetos necessários para o ato, sua impressora 3D, seus livros, inclusive o de Ricardo Harada que ele buscou e busca desvendar constantemente, cheio de rabiscos e anotações que construíram o ato – a história quando se perde é como um pedaço de si mesmo arrancado. Prejuízo moral. Prejuízo financeiro: estimado em R$14.000. Destino. Me contou que parte do plano era vender coisas, incluindo a impressora 3D, para angariar fundos para ir competir na Itália. Everton gostava de sentar em um puff baixo que temos aqui em casa, a altura deixava ele pequeno e o desespero mais ainda. Apesar de sua postura educada, praticamente estoica, dava para sentir o sentimento de perda. Eu tive a impressão de que estaria quebrando coisas e socando paredes diante da situação, talvez por isso o tranco da competição seja tão suportável para ele. Apesar da pressão que a comunidade mágica fez com a empresa diante do ocorrido, após ele anunciar na mídia e nas redes sociais, a empresa ainda não se posicionou e o prejuízo segue causando seus danos.
Ao menos ele conseguiu o apartamento logo na primeira semana que se mudou, pois dependia disso para ensaiar para o mundial. Mas a imobiliária demorou outras duas semanas e meia para mandar o contrato, pois havia um erro e a empresa que corrigia tinha uma fila de contratos na frente. Destino. Chegou o dia da mudança, a felicidade transparecia em suas atitudes, finalmente ensaiaria para o FISM. Destino. Me ligou assim que chegou, perguntando se a chave estava na minha casa e havia esquecido aqui. Destino. A chave não estava. Teve de chamar um chaveiro, que de noite e na emergência cobrou mais de R$500,00. Destino: prejuízo. Três semanas, três acontecimentos que o atrasou gerando perdas significativas, o absurdo encontrava o pintor da pior forma.
Todos os fatos dessa crônica e valores de perda são reais. Everton Machado está neste exato momento em campanha de arrecadação para angariar fundos para competir o campeonato mundial depois de ter ganhado o prêmio mais importante da América Latina no link abaixo.