Crítica

A PEQUENEZ DA GRANDEZA DO SHOW DE MAICON CLENK

Entre os dias 11 e 21 de setembro deste ano (2025) aconteceu O Grande Show de Mágica de Maicon Clenk no Teatro Sérgio Cardoso, mágico que se intitula autor da linguagem artística “Teatro Ilusionista”, conforme diz a descrição do espetáculo no Sympla¹.

É possível ver no nome do espetáculo um dos signos que o permeia: “grande”. Tudo no espetáculo visa te convencer disso, a descrição também: “Efeitos especiais, bailarinos e mais de 100 figurinos elaborados fazem parte do show”. Os números, a maioria são, justamente, da categoria “grandes ilusões”. Tudo grita impacto, tamanho e inovação. Mas aqui reside a maior das frustrações, não tem impacto, menos ainda inovação. Parece maquiar no tamanho o que não atinge em qualidade. O espetáculo é diametralmente oposto entre grandeza e qualidade: o que tem de grande na produção, tem de pequeno no que tange o qualitativo.

Foto: Adoro Mágica

Começa pela gama de efeitos, a maioria são aparições de bailarinas. A primeira, é ok, a segunda, também. A terceira, a quarta, a quinta e sei lá mais quantas já perdeu a graça. O exagero do número de aparições de bailarinas parece demonstrar uma falta de consciência e entendimento do efeito – realidade externa, plano do visível, para usar termos teóricos da mágica. Parece que Clenk não entendeu que mudar de caixa não muda o efeito. Aliás, aqui entramos em outro exagero do espetáculo, quase tudo são caixas e variações destas. Toda hora entra uma caixa, acontece alguma coisa – normalmente uma bailarina aparece ou desaparece – e isso molda quase que 100% dos números de mágica do show.

O conceito é contar a história da mágica por meio de performances com dança, começando com uma na qual bailarinas interpretam seres extraterrestres. O segundo ato parte para o Egito Antigo. Entendo a escolha do Egito, onde possivelmente temos os primeiros registros sobre mágica, mas a performance não fala disso. O espetáculo usa apenas uma estética estigmatizada, padrão, brega e exotizada do Egito Antigo. Já é mais que sabido no campo das artes que esse tipo de representação é atrasado e problemático, além disso, a representação do país no show é branca, demonstrando a falta de senso crítico de Maicon Clenk que assina, além de protagonizar o espetáculo, direção.

O espetáculo então parte para um núcleo fantástico, com dois faunos em cena e um mago, que depois descobrimos ser Merlin. É uma parte mal encaixada no roteiro, não fazendo muito sentido em geral. O efeito é um dos poucos que não usam exatamente uma caixa, mas acontece um teletransporte com jogo de sombra e luz de uma das bailarinas e no final Merlin se transforma em Maicon.

Foto: Adoro Mágica

Depois disso vem um dos momentos de maior mau gosto do espetáculo, ou melhor, um dos momentos de maior mau gosto que eu já presenciei em um teatro. Clenk entra vestido como um mágico clássico, usando uma dentadura que fica à vista com dentes grandes. Fala mais de uma vez que representa os mágicos que se dizem “o maior da América Latina”, em uma sátira provavelmente direcionada a Klauss Durães, da dupla Henry e Klauss, que vendem o show Illusion como a maior produção da América Latina. O nome, inclusive, é uma variação de Klauss, Claudiomar (salvo engano). Ele entra com sua esposa, Claudete. Diz também representar todos os mágicos que fazem festa infantil. Nesse momento, ele perguntou “Estão animados”, e antes do sim uníssono da plateia, em alto e bom som, uma criança gritou “Não!”. A essa altura do campeonato, provavelmente ela já estava cansada de caixas e aparições. 

Nesse momento, Celnk então assume a persona do mágico de festas e começa a tirar sarro de Claudete, sua esposa, com piadas extremamente estigmatizadas, incluindo fazer humor com o fato dela morar em Capão Redondo. Em um teatro na Bela Vista, a piada entrou e o público riu, parece realmente que diferença social é engraçado para este público, eu fiquei sem entender a graça que tem morar em Capão Redondo, bairro periférico de São Paulo. Além disso, Clenk estigmatiza em sua persona a classe trabalhadora da mágica – os mágicos de festa infantil. Naturalmente que do ponto de vista estético há um problema a ser enfrentado, mas a maneira como o protagonista estigmatiza classes, sejam moradores de bairros periféricos, seja a ideia do “mágico falido”, como diz a descrição do sympla, é extremamente problemática. Depois faz algumas médias ilusões, inclusive fazendo aparecer um bambu e uma escada em seguida, parece mesmo que ele tem alguma obsessão com aparições, mesmo essa parte que explora outros efeitos, tem duas aparições seguidas, ao menos não são de bailarinas. Aqui a ideia era satirizar, mas é mal feito, a sátira entra pouco.

Em determinado momento, finalmente chega uma parte realmente concreta sobre a história da mágica, começando com Robert Houdin. Aqui vem a fala clássica do mágico que levou o ilusionismo para os teatros, mas Clenk dá um adendo, dizendo que ele apresentou para reis e rainhas. O protagonista assume que dar valor à mágica é ter apresentado para a nobreza e não o fato de Houdin ser um grande inventor, construtor, manipulador e teórico da mágica, parece mesmo que há um problema de classe aqui. Além disso, ele diz que os mágicos passaram a ser chamados de “ilusionista”. Para além da fantasia, um espetáculo que se propõe a contar a história da mágica, não levou em consideração que o Houdin era francês e que o signo linguístico é completamente outro em uma língua estrangeira, além do fato não ser verídico. A diferenciação entre mágica e ilusionismo foi difundida no Brasil por Issao Imamura, mas é uma grande balela que já foi superada há muito tempo, mas alguns mágicos, como é o caso aqui, se apegam a ela para engrandecer o que fazem. 

Além da homenagem a Houdin acontece uma a George Méliès, mágico considerado inventor dos efeitos especiais. O número que acontece é sem sentido com o conceito, deixando a homenagem solta. Houdini também é citado, para dar o caráter ao estilo do escapista, o número é um no qual uma bailarina entra em uma caixa (sim sempre caixas) e Clenk coloca fogo em espinhos de metal que encaixam na caixa. O mágico então abre a caixa mostrando que a mulher desapareceu e depois fecha a caixa, desencaixa os espinhos, e a bailarina reaparece. Há então um duplo clímax onde outra bailarina aparece. Isso demonstra uma completa falta de senso, pois o fato dela desaparecer, mostra que o número na verdade não é perigoso ou qualquer coisa do tipo, a segunda bailarina aparecer, demonstra a capacidade da caixa de esconder pessoas, tirando todo o escopo do perigo. Seria muito mais interessante encaixar os espinhos pegando fogo, retirar e a primeira bailarina estar intacta, isso criaria uma variação de número para além da aparição e desaparição que já vinha sendo repetidos constantemente no espetáculo. Mas realmente nosso protagonista e diretor coreógrafo parece não ter consciência do efeito mágico, achando que o fato de mudar de caixa, muda o aquilo que acontece. Esse tipo de duplo clímax com uma bailarina a mais aparecendo, também é constante.

Foto: Adoro Mágica

O espetáculo termina com uma fala em um estilo meio coach/autoajuda. Ele até fala da mágica e do mistério, terminando com uma frase de impacto como “a verdadeira mágica é você” e nesse momento holofotes apontam para a plateia, são tão fortes que o olho chega a doer. Apesar de falar da mágica como expressão de mistério, Clenk se esquece da mágica como ritual, as duas partes com interação com a plateia constrangeram as espectadoras. As duas com o mágico que satiriza Klauss e os mágicos infantis, em uma ele deixa a espectadora isolada no palco, com um foco sobre ela, por um tempo, visando criar um efeito de humor por meio do constrangimento que o próprio personagem assume depois. Em uma outra ele faz o clássico número no qual dois lenços são colocados lado a lado na gola da pessoa e ao puxar causa a impressão de ter arrancado o sutiã da espectadora. 

Tudo no espetáculo é de mal gosto, a cada número com caixas e aparições, Celenk faz uma pose parruda de mágico que acabou de fazer algo incrível, a postura corporal desse “agradecimento” que indica que o número acabou é completamente ensimesmada e egocêntrica. O espetáculo parece seguir uma espécie de obsessão pelo grandioso, no sentido físico de grande mesmo. A maioria das coisas acontecem em caixas grandes e o protagonista parece se orgulhar disso por meio de uma postura corporal que passa uma mensagem do tipo “olha como isso aqui é grande e eu sou demais”. Acontece que a qualidade do espetáculo é péssima e de muito mau gosto. A estética é ultrapassada, cheia de brilhos. Se a descrição estiver correta, 100 figurinos foram compostos e 100 figurinos deselegantes.

Parece que Maicon Clenk atua em algum tipo de cegueira egóica. Por exemplo a sátira à Henry e Klauss, por meio de uma personagem que diz representar todos os mágicos que se dizem “o maior da América Latina”, parece na verdade alguma espécie de recalque mal resolvido. Se trata de criticar exatamente o mesmo tipo de estratégia que a dupla usa, enquanto um usa maior, o outro usa grande. Além disso, ambos tem uma postura corporal muito parecida quando um número acaba. Uma coisa é sincera no espetáculo, o título é genérico, tanto quanto o espetáculo não apresenta nenhuma grande novidade no campo das artes performativas. Clenk, na descrição do Sympla, se diz inventor da linguagem artística “Teatro Ilusionista”, mas nada de diferente acontece. Não sei se ele acha que o fato de um elenco grande de bailarinas é uma linguagem artística nova ou qualquer coisa do tipo, sei que ele demonstra a inconsciência de que misturar mágica e teatro é um dos maiores problemas da mágica moderna, resultando em toda a pesquisa de Ricardo Harada. O próprio Tamariz já se debruçou em uma pesquisa do tipo e está consciente das dificuldades de uma real mescla de teatro e de mágica. Em “O Grande Show de Mágica”, nada demais acontece nesse sentido. Parece que Clenk não sabe mesmo muito sobre teoria da mágica, resolveu fazer um show com equipamentos que comprou, contratar inúmeras bailarinas e se vender como inventor de uma linguagem que vem há décadas sendo explorada com suas diversas problemáticas a serem solucionadas. Mas serei honesto, acho que a obsessão pelo grande fez sim Clenk inventor de uma linguagem artística: a linguagem da pequenez da grandeza.

1: https://bileto.sympla.com.br/event/108041. Acesso em 23/09/2025 às 08:00.

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