“O mundo não é mais o mesmo”, quantas vezes ouvimos essa frase de pais, tios ou conhecidos mais velhos? Essa frase é uma expressão que somente surge no nosso vocabulário conforme ganhamos idade. Apesar de quase sempre ser usada num contexto negativo, ela nem sempre é sinal que as coisas pioraram, para mim, é um dos sinais da existência de um conflito entre gerações.
A mágica também tem esses conflitos. Temos que reconhecer que, com o surgimento da internet e das redes sociais, a maior forma de interação entre pessoas passou a ser outra e, portanto, a mágica, enquanto arte performática, se adapta a esse formato ou deixa de ter relevância. E, de fato, a mágica tem tentado se adaptar.
Essa tentativa acontece de 4 maneiras: os vídeos tradicionais, os quais são produções no estilo trailer de efeito onde se tem um mágico cercado de pessoas fazendo um efeito ou um mágico sentado numa mesa executando o efeito para a câmera, vídeos de Prop Magic, aquele que é uma sequência sem fim de cortes de efeitos curtos feitos para a câmera e com espectadores, por vezes reais (no blog tem um texto só sobre esse tipo de mágica), vídeos de exposição dos segredos e reacts de vídeos reais de mágica.
Os vídeos tradicionais são necessários e acredito que sempre ocorrerão, não fazem mal nem bem à mágica. Não revelam mágicas, ou não revelam intencionalmente e, embora ocasionalmente sejam maçantes, procuram promover as mágicas. Os melhores vídeos dessa categoria são agradáveis de se ver, os piores são impossíveis.
Os vídeos da exposição de segredos por si só se dividem em dois tipos: aquele tipo que simplesmente revela, quem não viu a dupla de garotos orientais no qual um faz o efeito e o outro com a expressão impassível revela o segredo? Esse tipo de vídeo é prejudicial e injustificável, não porque os efeitos revelados sejam amplamente usados, mas sim porque ao ver vídeos dessa maneira as pessoas perdem a capacidade de se assombrar. Pode-se dizer que ao ver o método revelado as pessoas tendem a demorar mais para atingir a suspensão da incredulidade, pois tem maior propensão a ver a mágica como um desafio, um quebra cabeça a ser resolvido. O outro tipo de vídeo de exposição é o de POV (point of view), os quais, em geral, usam métodos extremamente complexos para se atingir efeitos simples. Embora esse tipo de vídeo também possa ser prejudicial à capacidade do espectador de ilusionar-se, ele pode ser em casos pensados, justificados pela exposição da beleza da lógica interna, ou do método. Eu acredito que esse formato pode em algum momento produzir algo análogo ao Cups and Balls com copos transparentes de Penn and Teller, que é uma performance feita para mostrar a beleza do método da rotina apresentada, embora ainda não tenha visto nada que chegue perto de Penn and Teller.
Os Reacts pegam os vídeos tradicionais e mostram a reação sincera de um outro mágico, ou leigo, vendo vídeos tradicionais de mágica. É um formato bom e interessante na promoção da mágica, porém requer da pessoa vendo os vídeos uma audiência sólida já construída, o que limita sua amplitude, ou seja, nem todos conseguem fazer esse tipo de vídeo de maneira eficiente. Nesse campo vejo dois mágicos, o canadense Chris Ramsay e o brasileiro Felipe Barbieri.
Os vídeos hoje constituem a maior parte da interação mágica que se tem com o público e eles também influenciam positivamente e negativamente a interação ao vivo, portanto, têm que ser levados em consideração quando pensamos na mágica de hoje. De fato, o mundo não é mais o mesmo, nem a mágica, e nunca voltarão a ser. Nos resta a adaptação ou o esquecimento.
Um dos pontos principais, porém, é a forma dessa adaptação. A aceitação passiva de como as coisas se desenrolam pode ser útil para uma continuidade de trabalho, mas até que ponto promove a evolução da mágica enquanto arte? A reprodução de um formato, qualquer um dos formatos descritos acima, sem uma intencionalidade clara além da criação do conteúdo por ela mesma, torna o vídeo raso e irrelevante. Claro, a fundamentação criada sem a transmissão da intenção não surte quase nenhum efeito. Por exemplo, se poderia justificar os vídeos de react como a promoção de uma boa mágica por meio da reprodução de conteúdo, porém sem nenhuma ação que leve para esse lado, uma chamada que exponha a pessoa a qual se republica por exemplo, torna o vídeo feito somente mais um na esteira do modelo de produção massiva de conteúdo que temos hoje em dia nas redes sociais, e acaba por prestar um serviço único para a pessoa que faz o react sem realmente agregar nada à mágica.
Por fim vejo que a mágica tem um caminho a seguir, embora não seja explícito vemos um desenho de como este se forma. Mais do que estar atento ao que nos é apresentado, precisamos atentar a forma dessa execução para que tornemos a mágica uma arte relevante dentro desse influxo massivo de informação que temos nos dias de hoje. É preciso continuar a postar e nos adaptar, mas também pensar a forma desses posts e seu conteúdo.

