Artigo,Ensaio

O SEGREDO QUE O PÚBLICO DEVE CONHECER

Todos nós somos espectadores. Um dia, provavelmente na infância, eu vi mágica pela primeira vez. Não lembro bem quando e como foi isso, mas tenho total certeza de que não nasci sendo um ilusionista, bom, pelo menos eu acho que não. Ser um espectador é mais importante do que ser um mágico, pois, quando se trata de uma arte performática como a mágica, ela só funciona se houver o emissor (mágico) e o receptor/observador (plateia). É impossível, ou no mínimo idiota, fazer mágica sozinho. É diferente de dançar ou tocar uma música, isso pode ser feito para você, mas a mágica, não. A mágica requer a tão famigerada interação humana.

Logo, ser um espectador antecede qualquer outro “ser”. Nascemos limpos e rasos como uma folha em branco, e as observações ao longo de nossa trajetória respingam arte em nossa folha, manchando-a e gerando diferentes interesses durante a vida. Um dia, a gota de um mágico pingou em mim — LÁ ELE.

É inerente à raça humana querer “entender” e buscar respostas para algo que presenciou. É intrínseco, pertencente a nós, é natural. Contudo, há outras maneiras de lidar com os acontecimentos que nos transpassam durante a vida. Na mágica, quase sempre nós queremos entender o que foi feito, buscar uma maneira de nos deleitarmos e gozar da imaginação para descobrir — ou achar que descobrimos — como ou quando aquilo foi feito.

Ocorre que existem outras maneiras mais proveitosas de ser um espectador, e eu gostaria de contar esse segredinho mágico para vocês.

A mágica é uma arte que pode comunicar, transmitir sentimentos e posicionamentos sobre a vida e o mundo, mas, principalmente, ela se utiliza do assombro, da suspensão da descrença, para criar um momento “único” e potente o suficiente para te fazer acreditar e sentir coisas que, em condições normais, seriam algo IMPOSSÍVEL.

A mágica trabalha no campo do impossível, e somente neste campo. O resto é habilidade: pode ser bonito, pode ser interessante, mas não é mágica. E, para que você possa desfrutar de tal impossibilidade, sentir tal “assombro”, é necessário estar aberto para esse propósito.

Imagine a seguinte hipótese:

Você está em um barzinho, comendo algum petisco e dando risada com os amigos, tomando uma cerveja ou refrigerante. Ao fundo, escuta uma cacofonia de vozes, pessoas rindo, conversando, fofocando sobre a roupa feia da mulher da mesa 8.

No meio dessa confusão, seu ouvido fica atiçado por algo especial: o músico que mantém um voz e violão ao fundo do bar. Ele acaba de tocar Raul Seixas — a mesma pessoa com roupa feia da mesa 8 ficou pedindo por horas “toca Raul, toca Raul”

O músico para, toma um gole de água, ajeita o violão no colo e começa uma nova canção.

Ele dá a primeira nota.
Depois a segunda.
E, na iminência de dedilhar o terceiro acorde, sua audição, que é extremamente apurada, reconhece: é “À Sua Maneira”, do Capital Inicial.

Empolgado, sem pensar duas vezes, você se levanta bradando com toda a força dos seus pulmões:

“ELE VAI TOCAR UM RÉ, ELE VAI TOCAR UM RÉ!”

Percebe o quão aporrinhante é isso? Veja, você apenas disse uma verdade, disse qual seria ou foi a nota tocada. Mas esse simples gesto acabou com a “mágica da música”. Ninguém quer saber qual nota foi tocada; as pessoas querem apenas curtir uma boa música.

É nítido que este é um exemplo hipotético, ninguém fica por aí gritando qual acorde o músico está fazendo (eu espero) mas, na mágica, isso ocorre. Quando o ilusionista está fazendo um “acorde”, existe uma necessidade das pessoas de tentar adivinhar ou descobrir como aquela “melodia” foi criada.

A única maneira de você experienciar a arte de verdade é se deixar entrar nesse mundo, é deixar as suas crenças, convicções e certezas do lado de fora, e apreciar aquele momento como ele deve ser apreciado: como uma experiência artística.

Tente deixar suas vontades de descobrir o “truque” fora da sua mente quando estiver contemplando um artista. Até porque saber como aquele efeito é realizado é muito diferente de conseguir fazer. Te garanto que você será muito mais feliz e irá desfrutar melhor da apresentação.

Em face do que foi dito, é preciso deixar muito claro que a culpa nunca é do espectador. A classe mágica tem um problema interno e precisa resolver isso. Nós precisamos melhorar nossa abordagem e saber como ser um “Maestro” melhor, conseguindo fazer a plateia aproveitar e não ficar tentando descobrir. Bons mágicos quase não passam por isso. Eu sou da linha que acredita que a culpa é SEMPRE do artista, e nós precisamos rever o que estamos fazendo de errado que pode acabar deixando o público contra nós, mas isso é um papo para o texto da semana que vem. Espero vocês!

Você também pode gostar...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *