Artigo

JEAN EUGÈNE ROBERT-HOUDIN | MÁGICOS DO PASSADO

Filho de relojoeiro, Jean-Eugène Robert nasceu em Blois, em 7 de dezembro de 1805, estudou em Orléans e começou como aprendiz na bancada da relojoaria do pai. A guinada para a arte veio quando, ao comprar um tratado de relojoaria, recebeu por engano dois volumes sobre mágica: dali em diante, praticou sem descanso, teve aulas de destreza manual e seguiu desenvolvendo mecanismos. Em 1830, casou-se com Josèphe Cécile Houdin, filha do relojoeiro parisiense Jacques-François Houdin, e adotou o sobrenome da esposa, tornando-se Robert-Houdin, um gesto raro à época, que marcaria a criação do personagem que entraria para a história

Em Paris, trabalhou na loja do sogro e, no tempo livre, construiu autômatos e aparelhos de precisão: pássaros cantores, dançarinos de corda bamba, um autômato que executava cups and balls e, sobretudo, a figura que escrevia e desenhava, exibida ao rei Luís Filipe e vendida depois a P. T. Barnum. Como relojoeiro, é também associado aos célebres “relógios misteriosos” de mostrador “impossível”. Essa fusão de mecânica com apresentação artística é a base do estilo que o consagrou na mágica.

Fotografia Robert-Houdin

Em 1845, Paris ganhou um palco que mudou para sempre a forma de ver uma apresentação de mágica: o Théâtre Robert-Houdin, inaugurado em 3 de julho, no Palais-Royal (Galerie Valois, n.º 164), com as espetáculo Soirées fantastiques. O espaço foi transferido em 1852 para o Boulevard des Italiens, n.º 8. Foi desenhado para parecer uma sala elegante, mobiliada em estilo Luís XV, e para receber a arte com a mesma etiqueta da alta sociedade: artista de fraque, nada de fantasias de “feiticeiro”. A ideia não era apenas entreter; era elevar a mágica a espetáculo de teatro, Houdin foi o maior responsável por tirar a mágica das ruas e das feiras e levar para dentro do teatro.

No Théâtre Robert-Houdin, o repertório combinava prestidigitação, sofisticação e invenções mirabolantes, ele era um mágico completo, um bom inventor, bom teórico e bom showman. Entre os efeitos mais famosos estava La Seconde Vue (Segunda Visão), um número de leitura à distância feito com o filho Émile: o pai circulava pela plateia tocando e apontando objetos, enquanto o assistente, vendado, os descrevia em detalhes, de inscrições em anéis a valores de cédulas. A rotina evoluiu a ponto de Robert-Houdin soar apenas um sino (sem falar) e, mesmo assim, Émile “via” tudo, deixando o público convicto de que algo extraordinário acontecia naquele espaço. O êxito desse número foi decisivo para lotar o teatro.

Estátua em frente a sua casa em Blois, na França. Hoje é o museu Maison de la Magie Robert-Houdin 

Outro marco de seu repertório foi A Maravilhosa Laranjeira.Efeito clássico em que um pequeno pé de laranjeira surgia num vaso e, aquecido por uma chama azul, brotava, florescia e dava frutos diante de todos. No clímax, a laranja final se abria em quatro gomos, de onde borboletas mecânicas puxavam e exibiam o lenço com o anel de uma espectadora. Um espetáculo de engenharia mecânica e cênica, uma verdadeira poesia visual que virou referência cultural até em literatura e cinema.

A sensibilidade para o “espírito do tempo” também aparece na Suspensão Etérea (Ethereal Suspension), apresentada quando Paris comentava as propriedades do éter: o filho mais novo, Eugène, parecia tornar-se leve, sustentado de modo “impossível”, num jogo de teatralidade científica que o fazia levitar diante de todos.

Gravura: Robert-Houdin e seu filho Émile executando o famoso número “La Seconde Vue”

Havia, ainda, a inteligência em usar novas tecnologias. O Baú Leve-Pesado (Light and Heavy Chest) explorava eletromagnetismo: um pequeno cofre em que até uma criança erguia com facilidade, mas que, ao estalar de dedos, tornava-se impossível de mover até mesmo para um adulto muito forte. No palco parisiense, era comicidade e elegância, fora dele, essa mágica viria a se tornar uma arma diplomática.

Como teórico, Robert-Houdin deixou obras fundamentais que moldaram gerações: as Memoirs (1858–59), o tratado Les Tricheries des Grecs dévoilées (1861), Les Secrets de la prestidigitation et de la magie (1868), manual indispensável de técnica e encenação,  e Magie et physique amusante (1877). Não eram apenas compilações de métodos: articulavam princípios de construção de número, ritmo de surpresas e relacionamento com a plateia, antecipando uma reflexão moderna sobre linguagem cênica.

Gravura: Houdin fazendo Suspensão Etérea.

O legado é amplo. Ao levar a mágica ao teatro, ao vestir-se de maneira elegante e ao fundir mecânica, ciência e dramaturgia, Robert-Houdin redefiniu a profissão. O Théâtre Robert-Houdin tornou-se ponto de peregrinação da elite e, anos depois, passaria pelas mãos de Georges Méliès, elo direto entre a ilusão de palco e a ilusão cinematográfica. A influência de Houdin se mantém em museus como a Maison de la Magie, em Blois, e em cada artista que sobe ao palco para tratar a mágica como arte. Sem dúvidas esse nome marcou a história e a mágica, com invenções e teorias que influenciam até hoje todos os artistas.

Com informações de Genii Magazine (Magicpedia), Taittinger – The Instant When, Super Interessante, e Chamber Magic Blog.

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