No dia 17 de agosto de 2025, o The New York Times publicou uma matéria muito interessante sobre a trajetória e alguns causos da carreira de Penn & Teller. Nós, do Adoro Mágica, também somos fãs da história desses ícones da mágica e, por isso, trouxemos a tradução na íntegra do texto escrito por Jason Zinoman. Acompanhe e aproveite essa leitura incrível!
Um mágico pode ser velho demais para morrer?
Essa foi a pergunta em debate nos bastidores do Penn & Teller Theater, em Las Vegas, depois que Teller, a metade silenciosa do duo mais famoso ainda em atividade, sugeriu trazer de volta um de seus truques favoritos.
A dupla apresentou o número pela primeira vez no Saturday Night Live, em 1985, quando Penn Jillette, hoje com 70 anos, trancou Teller, 77, dentro de um tanque do tamanho de uma cabine telefônica, cheio até a boca de água. Então, prometeu não deixá-lo sair até que Jillette adivinhasse uma carta escolhida por alguém da plateia. Era uma corrida contra o afogamento, e o truque era minuciosamente construído: tensão crescente, várias reviravoltas e um retorno dramático da “morte”.
Embora fosse um sucesso de público, Jillette disse que acreditava que eles haviam envelhecido para continuar fazendo-o. “O sofrimento de um jovem é heroico”, disse ao parceiro em meados de junho. “Para um homem mais velho, pode ser apenas triste.”
Teller rebateu educadamente, dizendo que o número exigia pouco esforço físico dele, então sobreviver não seria “um gesto heroico”. Ele resumiu assim: “É sobre a parceria”, afirmou, referindo-se à colaboração que, assim como Tubarão e Saturday Night Live, completou meio século este ano. “Talvez essa seja uma ideia que se fortalece com o tempo.”

Penn e Teller fazendo a mágica do tanque de água pela primeira vez no “Saturday Night Live”, quando Madonna era a apresentadora.
Penn & Teller, que se apresentam no Radio City Music Hall em 21 de agosto, são uma das grandes histórias de sucesso do show business moderno. Revolucionaram a mágica, desmistificando e modernizando a forma, ao mesmo tempo em que a fundiram com a comédia. Estrelando sucessos na Broadway e fora dela, também criaram dois programas de TV de longa duração — Penn & Teller: BS e Fool Us, que estreia sua 13ª temporada neste outono e se tornou a principal vitrine para novos mágicos. Enquanto David Copperfield e Criss Angel perderam popularidade, Penn & Teller estão maiores do que nunca. Se antes se autoproclamavam os “bad boys da mágica”, hoje se tornaram seus estadistas veteranos, passando de ridicularizar os mágicos de Las Vegas a bater o recorde de show principal mais longevo da cidade.
Mas talvez seu maior truque em 50 anos tenha sido simplesmente permanecer juntos.
É uma arte perdida. A era das grandes duplas de estrelas (Laurel e Hardy, Nichols e May, Martin e Lewis) acabou. Quando Tommy Smothers, dos Smothers Brothers, se aposentou, Jillette contou que o comediante lhe disse: “‘Estamos passando isso para vocês.’”
Dois dias com Jillette e Teller
Juntos e separados, quis entender os segredos desse feliz “casamento artístico”. Provavelmente ajuda o fato de que apenas um fala e o outro permanece mudo no palco. Mas eles também têm conselhos pouco ortodoxos sobre relacionamentos: tente não se comprometer e evite pedir desculpas. “Desculpas prolongam a discussão e são uma perda de tempo”, disse Teller. “É tentador, mas apenas pare, siga em frente.”

Penn Jillette, à esquerda, e Teller no teatro em Las Vegas, onde detêm o recorde de show principal mais longo da cidade.
O principal insight deles é que, para permanecer uma dupla, é preciso também se manter separado. Antigamente, nunca socializavam fora do palco. E, nas poucas vezes em que fazem isso hoje, dão espaço um ao outro. Steven Banks, performer conhecido como Billy the Mime, amigo desde os anos 1970, lembrou de um jantar com os dois em que não trocaram uma única palavra entre si. “Conversei com o Penn, depois com o Teller, e só.”
Teller (nome de batismo Raymond Joseph Derickson Teller, hoje legalmente alterado) disse que a dica mais valiosa que recebeu sobre parcerias artísticas veio do diretor Arthur Penn, que comandou o longa Penn & Teller Get Killed (1989). Ele o aconselhou a falar menos durante o processo criativo. Teller resumiu assim: “‘Não diga o que está pensando. Deixe-o desenvolver o que está fazendo’” — conselho que aplica até hoje.
Jillette leva a distância ainda mais longe, descrevendo-os como colegas, não amigos. Pressionado a esclarecer, disse: “Não me importo muito com meu relacionamento com Teller.”
Vale lembrar: mágicos são mentirosos profissionais — e Jillette adora declarações provocativas. Uma das primeiras coisas que me disse foi que odiava mágica. Afirmou ainda que The Aristocrats, documentário de 2005 que dirigiu com Paul Provenza sobre uma piada obscena, era na verdade sobre a improvisação de Miles Davis (que nem aparece no filme). Jillette é sincero nessas opiniões, mas elas também funcionam como distração.
Enquanto Jillette, de brinco e jeans com símbolo da paz, fala em monólogos longos e digressivos, Teller, mais discreto, se expressa de forma precisa, direta, gentil e econômica — atento ao ouvinte de uma maneira que Jillette não é.
Os dois se apoiam nesses contrastes, no palco e fora dele. Um dos motivos é que acreditam que as diferenças são essenciais. “Se fôssemos iguais, seria melhor trabalhar separados”, disse Teller.
Mágica como ceticismo
Quando começaram, a mágica era um nicho ligeiramente desacreditado. Havia homens de smoking serrando mulheres ao meio e o estilo místico, hippie e fantasioso de Doug Henning. Jillette e Teller se uniram por um repúdio compartilhado a esse tipo de show brega.
Teller era professor de latim no ensino médio, e Jillette, um malabarista boêmio que só entrou para o Clown College depois da escola. Jillette é o tipo de autodidata intelectual que diz nunca ter superado totalmente o complexo de inferioridade por não ter ido à universidade. Originalmente, havia um terceiro parceiro: Weir Chrisemer, melhor amigo de Teller em Amherst. No primeiro show, Jillette vestia bermuda e tênis descombinados; Teller, com cabelo até os ombros, usava collant e malha justa; Chrisemer, filho de um pastor luterano, era quem vestia o terno.
Perguntado se a origem religiosa de Chrisemer teve peso na separação dos dois ateus convictos, Teller disse: “Provavelmente”, e depois completou: “Términos nunca são agradáveis e todo mundo se sente mal.” Chrisemer não respondeu às tentativas de contato.
O fio condutor estilístico em 50 anos de Penn & Teller é o ceticismo. O ato começa assumindo que todos os truques são enganação. Depois, eles próprios enganam você. Da mesma forma que David Letterman (que os contratava duas vezes por ano nos anos 1980) mostrava os bastidores do talk show para ironizar a forma e, ainda assim, brincar com ela, o show de Penn & Teller introduziu uma “meta-mágica” que desconstruía as convenções da arte sem perder o elemento da surpresa.
Teller descreveu o nascimento dessa estética em uma lanchonete, durante uma viagem de 1975. Ele amassou um guardanapo em forma de bola, colocou-o sob um copo, rolou-o e usou essa distração para esconder uma segunda bola. Repetiu o truque até ficar tão focado na primeira bola que não percebeu a outra. Havia enganado a si mesmo. Então, teve uma epifania: poderiam fazer o truque com copos transparentes e ainda assim enganar o público.
“Esse brincar com guardanapos nos levou a uma ideia profunda”, disse Teller. “E se mostrássemos os bastidores e tornássemos os bastidores ainda mais surpreendentes do que o truque apresentado?”

O ato deles começa com a suposição de que todos os truques de mágica são bobagens
Casas, memórias e origens
Teller mora a menos de meia hora de seu teatro, em uma casa digna da imaginação de uma criança sobre onde um mágico viveria. O telhado tem o formato de um três de paus gigante; estantes cheias de livros sobre mágica escondem uma passagem secreta; a porta prateada traz barras no formato de olhos e boca. Sentado em uma sala com obras feitas por seus pais, apontou para uma foto de Houdini, inspiração do truque do tanque d’água, junto à esposa. Teller disse que pouco se sabe sobre o relacionamento deles, exceto que não tiveram filhos. Depois acrescentou: “Eram bons colegas.”
Teller credita seu primeiro kit de mágica Howdy Doody, recebido aos 5 anos, como a faísca de sua paixão. Jillette também gosta de contar sua história de origem, mas a dele é mais sombria, marcada por uma perda de inocência. Depois de convencer os pais a comprar um livro de ESP promovido por The Amazing Kreskin, interessado em ciência, ficou chocado ao descobrir que era bobagem inútil. Extremamente desiludido, Jillette perdeu o interesse pelos estudos, viu suas notas despencarem e passou a dedicar sua energia ao malabarismo — caminho que o levou a trabalhar com Teller.
Perguntei a Teller o que esse contraste nas histórias de origem dizia sobre eles. Ele respondeu de forma neutra. Pressionei mais, e ele fez uma longa pausa, deixando o silêncio durar um minuto inteiro. Seus olhos marejaram e uma lágrima correu pelo rosto. A demonstração de emoção foi tão dramática que cheguei a pensar se não seria mais um truque. Então, começou a falar devagar, escolhendo as palavras com cuidado.
“Sempre dizemos que não somos amigos, mas claro que somos”, afirmou. “Quando Sócrates define o amor, ele fala sobre dois elementos completamente diferentes que se unem, como um homem e uma mulher gerando um filho. E o produto disso é a coisa bela.”
Um show novo, ideias antigas
Naquela noite, assisti ao novo show deles. Incluía alguns truques antigos (como um belíssimo de Teller transformando moedas em peixes dourados) e muitos criados no último ano. Teller jogava confete na cabeça do parceiro, que reagia com irritação espalhafatosa. Em certo momento, Jillette disse ao público: “Não concordo com Teller em quase nada.”
Mais uma provocação. Como casais de longa data que acabam se tornando mais parecidos com o tempo, hoje Jillette e Teller compartilham muitas, senão a maioria, das mesmas opiniões. Decidiram parar de apresentar o famoso número do disparo de balas por horror à prevalência de tiroteios em massa. E um truque espetacular em que queimavam a bandeira americana para discutir liberdade de expressão foi abandonado porque, segundo ambos, a imagem passou a ser imediatamente associada ao slogan Make America Great Again.
Jillette mudou mais: casou-se, teve filhos e deslocou-se politicamente de seus tempos como libertário convicto. A pandemia de coronavírus também teve impacto. Ele ficou abalado quando um grupo libertário pediu que liderasse protestos antimáscara em Las Vegas. Sua participação em The Celebrity Apprentice também pesou. Ele descreveu o programa como uma grande farsa e disse se arrepender de ter chamado o atual presidente de “Sr. Trump”.
Teller decidiu não ter família. Seu pai uma vez lhe disse para nunca se casar. E ele acredita que ter filhos impediu seu pai, designer gráfico e pintor prolífico, de alcançar a grandeza artística que poderia ter tido.
Perguntei a Jillette por que dizia no palco que raramente concordava com Teller, quando isso claramente não era verdade. Ele respondeu: “É útil.” Citou como bandas acabam se desmanchando por questões emocionais pequenas. “Fico irritado com Lennon e McCartney por terem se apaixonado e colocado isso à frente do trabalho”, disse, mudando o tom de voz.
“Não há ninguém em quem eu confie mais”, disse sobre Teller. “Não há ninguém que eu respeite mais.”

“Não há ninguém em quem eu confie mais”, disse Jillette sobre Teller, que disse separadamente: “Nós sempre dizemos que não somos amigos, mas é claro que somos”.
Trabalho antes da morte
Quando Teller passou por uma cirurgia de ponte de safena, Jillette o visitou todos os dias no hospital. A primeira pessoa fora da família a segurar os bebês de Jillette foi Teller. Quando ganharam recentemente um prêmio de mágica, Teller usou o discurso para esclarecer que, embora as pessoas achem que ele faz a maior parte da mágica, não é o caso. “Penn e eu somos duas pessoas, mas uma só coisa”, afirmou.
E ainda assim, Jillette disse não gostar de falar sobre essa proximidade, sobre o crescimento conjunto, sobre o vínculo. Depois de mais de quatro horas de conversa, de repente se conteve: “Sou o maior fã de dizer em vez de mostrar, mas não neste caso.”
Por quê? “Porque é algo rico e profundo.”
O truque do tanque d’água é um dos poucos em que eles aparecem apoiando-se visivelmente um no outro. Na maior parte do show, ficam voltados para o público e nem se olham. Quando Jillette erra a carta correta, quer libertar o parceiro para salvá-lo, mas mesmo parecendo estar se afogando, Teller recusa ser resgatado — porque isso violaria as regras do truque. O trabalho vem primeiro, até diante da morte.
Esse tema remonta ao primeiro show profissional da dupla, The Asparagus Valley Cultural Society, que terminava com Teller morrendo e Jillette reagindo com um simples: “Não adianta chorar por um mágico morto.”
Eles eram jovens, e brincar com a morte era mais fácil. Teller disse que outras pessoas tinham reações dramáticas à morte, mas que ele se mantinha calmo. Jillette disse: “Não tenho nenhuma habilidade nisso.”
Enquanto discutiam o tanque d’água, Jillette ouviu o argumento de Teller para trazer o número de volta, mas permaneceu cético. Encerrando o debate de uma forma possível apenas entre velhos amigos, previu exatamente como a conversa se desenrolaria, descrevendo cada etapa em detalhe, antes de concluir que, como tinham tantos truques no repertório, seria melhor seguir adiante — o que foi exatamente o que fizeram.
Tradução do artigo original de Jason Zinoman para o The New York Times (publicado em 17 de agosto de 2025).