Na noite de 23 de março de 1918, no Wood Green Empire, em Londres, o público aguardava mais uma apresentação de Chung Ling Soo, o “grande mágico chinês” que dominava os palcos britânicos. O espetáculo seguia como sempre até o clímax: o famoso número da “pegada de bala com os dentes”. Contudo, naquele dia, algo falhou. O disparo foi real, atingiu ele no peito e, pela primeira vez em décadas, ele quebrou o silêncio do personagem e disse em inglês: “Meu Deus. Aconteceu alguma coisa. Abaixe a cortina.” Minutos depois, estava morto.
Mas quem era o grande Chung Ling Soo?

Cartaz Chung Ling Soo
Por trás da maquiagem, do figurino exótico e do discurso mudo, estava um americano: William Ellsworth Robinson, nascido em 2 de abril de 1861, em Nova York. Filho de imigrantes escoceses, começou cedo na arte como assistente de mágicos da época e rapidamente se destacou por sua habilidade em construir aparelhos e entender os bastidores técnicos dos efeitos. Foi ajudante de grandes nomes como Alexander Herrmann e Harry Kellar, absorvendo segredos de palco que depois aplicaria em sua própria carreira.
Em busca de espaço, Robinson tentou se lançar com diferentes nomes artísticos, mas o sucesso só chegou quando decidiu assumir uma identidade radicalmente distinta: a de um mágico oriental. Inspirado pelo sucesso de Ching Ling Foo, verdadeiro artista chinês que fazia enorme sucesso na Europa, ele criou o personagem Chung Ling Soo em 1900. Com maquiagem pesada, cabelos artificiais e figurinos coloridos, cultivava a imagem de homem silencioso que precisava de intérpretes para se comunicar. Apenas 4 anos antes, ele havia conhecido Ching Ling Foo, que havia desafiado qualquer mágico a reproduzir seus efeitos. William aceitou e cumpriu o desafio, mas o mágico chinês se negou a reconhecer o feito e pagar o prêmio. Assim, criar um personagem chinês foi uma espécie de vingança de William.
A farsa era tão bem construída que o público europeu acreditava estar diante de um autêntico mestre vindo do Oriente. Diferente de Foo, que falava e interagia, Soo cultivava um mistério absoluto: não concedia entrevistas, não falava fora de cena e vivia integralmente como seu personagem. Até mesmo sua esposa, que atuava como assistente nos espetáculos, mantinha a encenação diante do público.
No palco, Soo apresentava números de grande impacto visual. Um dos mais celebrados era a Produção da Tigela de Água, em que uma enorme vasilha, cheia até a borda, surgia diante dos olhos incrédulos da plateia. Outro destaque era o Espírito Pintor, onde quadros e caligrafias surgiam sozinhos. Mas o que realmente imortalizou seu nome foi o arriscado efeito da pegada bala: espectadores marcavam balas, que eram carregadas em mosquetes e disparadas contra ele, que, ao final, as exibia entre os dentes.
Esse número já havia causado acidentes com outros artistas, mas Soo o transformou em sua assinatura. Até que, em 1918, uma falha no mecanismo fez com que a bala fosse disparada de verdade. A morte foi imediata, mas também desmascarou a farsa: jornais descobriram que “o chinês mudo” era, na verdade, um americano que passara a vida inteira dentro de um personagem.
A revelação chocou o público britânico, que sentiu-se traído e fascinado ao mesmo tempo. A figura de Chung Ling Soo ficou marcada como um dos grandes paradoxos da história da mágica: um artista cuja maior criação não foi apenas um número, mas um personagem inteiro, vivido de forma absoluta, até o fim.
Seu legado permanece como exemplo de espetáculo e mistério, mas também como alerta sobre os riscos que envolvem a arte e o fascínio pelo impossível quando se mistura um perigo real.