Crítica

ILUSÕES É UM CARTÃO DE VISITAS MAL DIAGRAMADO

Neste final de semana (31 de julho a 3 de agosto) aconteceram as apresentações da terceira edição de ilusões em São Paulo, no teatro das artes, dentro do shopping Eldorado. O espetáculo é uma espécie de show de variedades com artistas internacionais e Gabriel Louchard – idealizador, produtor e diretor – como mestre de cerimônias. Esta temporada é composta por Javier Botia, Jimmy Delp, Junwoo Park e John-Henry. Em linhas gerais, o show teve um enfraquecimento significativo em relação à outras edições e isso já se vê logo antes de entrar para o teatro, antes tínhamos uma potente levitação feita por Dener Motta na entrada enquanto nesta edição havia apenas um mágico em uma cabine fazendo um número fraco com uma gaveta onde aparecem coisas.

Dentro do teatro, o cenário é composto por um telão no alto que reproduz tudo que está acontecendo e mais algumas telas de led finas e bem altas, fora isso, o cenário é cru (ainda que duas empresas assinem a cenografia – NH Set Art Produções e Up Down Soluções e Logísticas). A luz – assinada por Ana Luzia Molinari de Simoni – é composta sem nenhuma elegância, apenas um jogo à moda corporativa que levanta uma pomposidade que o show não entrega. Além disso, a iluminação falha tecnicamente em muitos momentos: na aparição de um dos clímax final do número de John-Henry não se via direito as taças que aparecem embaixo dos baldes; em um momento algumas cartas douradas do manipulador sul-coreano que vão aparecendo sincronicamente a um som de caixa de supermercado – trilha sonora típica de dinheiro, com a luz o dourado parecia preto; entre outros. A iluminadora tem um currículo vasto, trabalhando, inclusive, com Maria Bethânia, mas ficamos sem saber se ela não soube lidar com as especificidades da mágica ou, talvez, se uma equipe técnica não soube corresponder ao seu trabalho, seu nome inclusive está escrito errado no programa (aparecendo Luiza ao invés de Luzia), já demonstrando um possível descaso.

Foto do espetáculo.

O telão entregou o segredo de diversos números: desfavoreceu o Jimmy Delp dando para ver em muitos momentos como ele executava determinados efeitos que fazia com as pernas e o fundo escuro que compõe o segredo também foi revelado pelo telão. Em um momento que Louchard usa uma espécie de bolsa transparente, deu para ver o segredo da bolsa graças ao telão. Assim, duas instâncias podem ser criticadas aqui: a primeira é que nem a luz nem o telão compõem em nada esteticamente o espetáculo, com usos sem conceito nenhum, no qual a presença de uma tela grande é um mero artifício de engrandecimento – que não se atinge – sem conceito. A segunda é que tanto a luz quanto o telão foram tão mal planejados atrapalhando o show ao entregar segredos e estragar o mistério e assombro necessários para um efeito mágico potente.

John-Henry é o primeiro dos convidados a entrar em cena depois de uma abertura mediana feita por Gabriel Louchard que teve uma reação morna do público. Louchard tenta fazer uma versão da fala batida “o número mais antigo do mundo”, mas não entrega nem história da mágica, nem performance. Fica no meio do caminho do didático e humorístico, não atingindo nenhum dos dois e fazendo uma introdução fraca. O artista sueco apresenta um cups and balls com estilo clownesco, mas ao invés de copos e bolas, usa baldes e bolas de tênis. O ponto alto do número é a sequência de malabarismo que ele faz no começo, usando as bolas e o tubo onde as guarda. Quanto à execução do clássico no que tange técnica da mágica, é bem feito, mas algumas sutilezas tornariam os carregamentos menos óbvios, o que infelizmente não ocorreu. Além disso, o artista escolhe ressignificar um número arquetípico, histórico, presente inclusive na ilustração da carta número I do tarot de Marselha, o que não seria o problema se estivéssemos diante de um caráter verdadeiramente inovador do efeito mágico, mas não é o caso. Ele estraga a dimensão arquetípica do número, não resultando em uma novidade realmente potente e deixando o número morno e sem uma potência mágica equivalente. Entre ver uma versão clássica bem feita e a de John-Henry, a primeira é uma escolha bem melhor. O número é fraco, uma espécie de sacrilégio contra o arquétipo, o que poderia ser bom diante de uma inovação realmente potente, mas trata-se apenas da mudança de elementos sem entregar um número novo ou potente.

Javier Botia dispensa comentários, números longos com potência curta. Típico mentalista que se diz mais do que é, além de um comentário indelicado sobre as coxas de uma menina que usava um vestido um pouco acima do joelho e uma meia-calça. O autor deste texto tem defendido que de pessoas assim, o melhor é falar pouco, deixar apagado da memória da história do mundo um tipo de gente que não sabe atuar em prol de um bem coletivo.

O coreano Junwoo Park é um manipulador muito habilidoso. O telão, mais uma vez e infelizmente, entregou algumas de suas técnicas, mas o erro foi técnico e não dele, que faz tudo de modo impecável. As escolhas estéticas são questionáveis: música pop, cartas douradas remetendo a dinheiro, óculos escuro aparecendo. Tenta ser uma espécie de artista pop, mas ao invés de entregar uma Beyoncé ou Lady Gaga, não passa de uma JoJo. Tem uma segunda entrada com um número de cordas sem grandes novidades que começa com Beat it do Michael Jackson e muda injustificadamente para Lemon Song do Led Zeppelin, em nenhum dos dois atos a música dialoga bem com o número. 

Jimmy Delp é o ponto alto do show. Provavelmente inspirado em Sylvester the Jester, o artista francês tem uma personagem que lembra um desenho animado ao vivo. Porém em um estilo de número mais próximo de Rudy Coby e Kevin James, Jimmy cria um ato único, onde sua perna encolhe, voa, desaparece. É uma infelicidade que o pensamento corporativo da organização técnica do show insista tanto em um telão e tenha estragado os efeitos do artista em diversos momentos. Se inspirar não é ruim, muito pelo contrário, demonstra – diferentemente do cups and balls de John-Henry – um bom aproveitamento da tradição mágica, criando um ato potente e divertido. O ato mostra que saber ter referências é ser original, além de ter sido a única coisa boa do show. Mas talvez aqui resida um engano, pois há a possibilidade do único ato minimamente bom ter se sobressaído diante de tanta coisa de mal gosto.

Reprodução da internet.

Gabriel Louchard teve apenas algumas reações mornas, abusa de um segredo que cai no “perfeito demais” (too perfect theory) que aparentemente não convenceu a plateia. Seu humor não é problemático, mas a taxa de risadas da plateia estava abaixo de muito standupista iniciante. O mestre de cerimônias de Ilusões cai constantemente em falas entediantes.

Em síntese, Ilusões tem uma cara de grande cartão de visitas para Gabriel Louchard que ostenta que o show é dele com uma piada em um momento do show. A luz e o telão servem, aparentemente, para engrandecer, o problema é que não entrega o tamanho que se diz ter. Esta edição está mais fraca que as anteriores, mas diversos problemas apenas se repetiram. No fim, Ilusões foi de um show ruim com atrações boas para um show péssimo com atrações médias. É um cartão de visitas para Louchard, mas feito no Canva e mal diagramado.

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