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CRÍTICA: TRUQUE DE MESTRE – O 3º ATO

No artigo Falta de comercialização de cultura e venda de entretenimento: até quando a mágica será um mero produto acrítico? já critiquei a trilogia now you see me por seu aspecto meramente comercial. Mas não se tratava de nenhuma resenha específica sobre nenhum dos três filmes, abordei apenas um aspecto tangencial que demonstra uma característica da mágica. Na sexta-feira do dia 21.11.2025 fui assistir Now You See Me: Now You Don’t (Truque de Mestre: O 3º Ato)  – pela primeira vez fui ver algo da trilogia no cinema, a pedido deste blog.

No que tange o aspecto cinematográfico, não precisa ser um especialista para concluir que o filme não é bom. Qualquer gota de senso crítico em um ser atesta isso. O longa-metragem é uma coletânea de furos de roteiros, cortes malfeitos típicos de filmes de ação, piadas soltas visando um entretenimento vazio, efeitos especiais que buscam compensar uma obra ruim na qual a profundidade é a de uma poça d’água. É impossível que Truque de Mestre possa receber o qualificativo de artístico.

Vamos dar um exemplo de furo de roteiro – alerta spoiler. Neste terceiro filme da saga, Henley Reeves (Isla Fisher) volta às telas. Thaddeus Bradley (Morgan Freeman), que no primeiro longa era uma espécie de Mister M vilão e no segundo é usado como plot twist (recurso muito pobre de uma forma de roteiro constantemente repetida no cinema hollywoodiano) sendo uma espécie de cabeça por trás da seita “The Eye”. Henley não presencia a transformação de Thaddeus, uma vez que não aparece no segundo filme. Mas quando o Mister M herói morre no terceiro filme, ela é a primeira a chorar, enquanto até então só havíamos a visto contra ele. Não há explicação sobre a origem do sentimento de Reeves por Bradley, é só uma cena solta que provavelmente busca pegar as pessoas no sentimento, aspecto pobre muito constante da arte ocidental mais comercial. Há outros furos, como o fato de Jack Wilder (Dave Franco) estar atuando em eventos mesmo sendo um criminoso fugitivo .

A direção é típica de filme de ação. Cortes confusos que não comunicam nada, mostrando que o pensamento cinematográfico do longa é apenas uma fórmula vazia de gênero cuja proposta é puramente comercial. Nada na direção tem alguma exploração da linguagem artística do cinema. Permanece constantemente na demonstração de um orçamento relativamente alto (90 milhões, enquanto o segundo filme teve 120 milhões e o primeiro 75 milhões). 

Poderia me demorar mais na análise do aspecto cinematográfico, mas este é um blog de mágica, o que motiva esta resenha. O terceiro longa conta com a consultoria de Ben Seidman. O roteiro usou como referência a história de Jasper Maskelyne e o mito dele ter ajudado um exército no Cairo contra um ataque nazista. Há uma cena na suposta casa de Maskelyne onde diversos aparelhos são mostrados. Nessa cena o elenco faz alguns números de mágicas existentes. Algumas mágicas que podem ser feitas na realidade aparecem no filme – ainda que a maioria das demonstrações sejam pura ficção – como neve chinesa, quick change, desaparição do lenço, entre outros. Mas sempre com auxílio cinematográfico tornando tudo mais limpo do que realmente é. O marketing todo do filme gira em torno dos atores terem aprendido alguma coisa de mágica. Aqui a problemática é gigantesca, porque o filme vende que o elenco aprendeu ilusionismo, enquanto o que o filme mostra é muito absurdo, principalmente no que tange leitura fria e hipnose. Isso não seria um problema, já que cinema é ficção, mas acaba sendo uma vez que eles tentam atribuir um aspecto realista para a questão. Principalmente no que tange hipnose – que não é mágica por sinal – e leitura fria (pseudociência) como algo que é possível em um nível que não é.

A figura dos mágicos quando se apresentam é aquele padrão entertainer corporativo. Ainda que o roteiro tenha como base um aspecto Robin Hood de mágicos anticapitalistas que atacam grandes corporações – neste terceiro uma mafiosa da exploração de diamantes – o longa contraditoriamente atua em uma esteira capitalista. A imagem meio showman dos telões, tom de voz pomposo, tudo constrói um mágico capitalista típico americano, como o fato do mentalista Merrit McKinney (Woody Harrelson) ser um típico texano. Isso acarreta ainda outra problemática, a dos EUA como salvadores, pois os americanos sempre são heróis, mesmo quando o assunto é combater um problema que eles inserem no mundo.

Esse aspecto heróico, distante da realidade de um mágico, fica no âmbito ficcional, mas com um quê de real. O filme é absurdo, claramente mentiroso, mas ao mesmo tempo que vende uma possibilidade do real com a mágica, como se fosse possível fazer coisas que não é. O que no fim gera uma expectativa nos espectadores que ao assistir mágica verão muito menos no que tange efeito. O longa é puro entretenimento vazio e usa o ilusionismo como figura deste mesmo entretenimento vazio, como diz Harada

A arte mágica, bem como seus traços formadores, sempre estiveram à margem da sociedade, como uma coadjuvante tímida, dificilmente tendo um papel de mais destaque e evidência na cultura em geral. (…) Atestam esse fato, por exemplo, sua influência definitiva no nascimento tanto do meio quanto da arte cinematográfica (…). Apesar dos esforços de muitos artistas do gênero, a mágica sempre foi reduzida ao divertimento e ao entretenimento familiar, [exatamente como Now You See Me faz] tendo pouca ou nenhuma influência no âmbito da cultura, principalmente no século XX, quando passou a ser consumida com inúmeros fins impróprios […].¹

Assim, o filme contribui para uma imagem deturpada dos mágicos, ainda que exaltada e anticapitalista, mas contraditoriamente criando a imagem do showbusiness capitalista. A mágica atua, mais uma vez, aliada da cultura dominante – filme de ação hollywoodiano típico americano com estrutura de super herói – e com fins impróprios, como Harada diz acima. Now You See Me: Now You Don’t, como mágica é cinema e como cinema é ruim, jogando mais uma vez a mágica mais fundo na marginalização da qual ela já faz parte. Mas é isso, a comunidade mágica, como produtora de entretenimento vazio – mero divertimento familiar como diz Harada – aplaude o filme que atua na mesma lógica, um alimentando o outro e enfatizando o lugar de cultura menor do ilusionismo.

1: HARADA, Ricardo Godoy. A tentativa do impossível: a arte mágica como matéria poética da cena teatral 2012. p. 83-84. Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/878077. Acesso em: 23 nov. 2025.  

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