Crítica

BARBIERI E CONVIDADOS ENTRETÊM, MAS ENTREGAM ESPETÁCULO FRAGMENTADO

Neste último sábado dia 22/11, assisti na Timing House, o show Barbieri e Mágicos Internacionais. Um espetáculo protagonizado por Felipe Barbieri, Gui Del Frate, Mateus Laurini e Daniel Prado. O show não foi promovido como sendo para crianças, mas a mágica inevitavelmente atrai esse público. Acredito que isso ainda seja uma realidade não superada na mágica; esse não é um reflexo do show mas sim de como a mágica ainda é vista enquanto entretenimento no Brasil. Isso se torna relevante, pois houve números que eram pensados para o público adulto. Apesar do aviso para os pais das crianças logo na abertura do show, a meu ver, não havia muito além que pudesse ser feito, uma vez que os potenciais problemas eram a revelação de um número logo na primeira sequência e a premissa toda de um segundo ato.

Logo de cara, me incomodou a presença de uma tela auxiliar. Num espaço onde não era necessário nem o uso de microfone, me pareceu uma escolha questionável. Dito isso, não foi útil, ao menos para mim, em nenhum momento. Ainda assim, havia efeitos ao longo do espetáculo que poderiam ter tido uma verticalização melhor e imagino que, no fundo da plateia, possa ter sido de algum auxílio. No entanto, pessoalmente, acredito que a tela age como um divisor de atenção e pode gerar prejuízo na performance, preferindo a opção de verticalizar os efeitos, ou ao menos as revelações. 

Agora, em relação ao show propriamente dito, quem deu início foi Felipe Barbieri. O texto de abertura foi bom e manteve a atenção do público. Como primeiro número, foi escolhido uma coincidência, feita com cartas ESP numa prancheta de acrílico. Acredito que seja um número muito alongado para a abertura, no entanto, teve um bom resultado. Creio que isso tenha acontecido em função do rapport que Barbieri já tinha com grande parte do público que estava ali, mas de qualquer maneira, acho uma escolha questionável para a abertura. Outro ponto de atenção é no posicionamento em cena: Barbieri estava posicionado de tal forma, que o tempo todo teve que trocar a prancheta de mãos para pegar as cartas indicadas pelo público, gerando algum ruído estético, algo que teria sido solucionado se ele estivesse do outro lado da mesa. 

Felipe Barbieri

A transição do primeiro para o segundo número, hug/kill, foi bem construída textualmente, mas pensada em termos de mágica, quando falamos da atitude de Barbieri em frente ao fenômeno, ele muda de “testemunha” (usando a terminologia de Topas), o mágico que está vendo acontecer pela primeira vez uma coincidência, para o “assassino”, que sabe exatamente o que vai acontecer no próximo número. O encerramento do número era um potencial problema para as crianças presentes, mas foi ligeiramente virado para longe da vista delas, o que acredito ser a melhor solução possível, dentro dessa situação. 

Na sequência, tivemos Gui Del Frate, que começou a apresentação se referindo ao fato de ter sido pai recentemente e de estar voltando aquela noite aos palcos. Ele abriu fazendo a preparação para o final do show, chamando uma espectadora para o palco onde ela escolheu uma carta e a devolveu para a caixinha, que ficou ela até o momento final do show. 

Na sequência um número com a garrafa Nielsen muito bem estruturado com a produção de cerveja no final (uma garrafa cheia), o efeito foi bem recebido pelo público, porém a “desaparição” da garrafa passou completamente batida e especificamente para esse número seja algo necessário de ser reforçado, pois ele elimina qualquer possível suspeita que o público possa ter na etapa de reminiscência do efeito mágico. Entendo que o efeito não é a desaparição da garrafa e sim a produção do líquido, porém é preciso eliminar da imaginação do público a possível existência de uma segunda garrafa, por isso a marcação da “desaparição” se faz necessária. 

Gui Del Frate

No segundo número apresentou uma coincidência de cubos mágicos. Conseguiu fazer com que a etapa onde os espectadores misturam o cubo não se tornasse algo maçante por meio de um texto explicando as possibilidades do cubo mágico, com o texto em si, muito bem entregue. Na etapa em que ele solucionaria o cubo vendado, há o uso de um falso erro, que depois vira a coincidência entre os cubos, algo que me parece um tanto confuso, embora seja uma forma de apresentação muito comum, não me agrada. Penso que falta mais se assumir enquanto executor do efeito, senão a linha de pensamento fica confusa: um efeito que deu errado, que na verdade deu certo, mas pelo qual o mágico se justificou. Dito isso, o efeito funcionou e foi bem aplaudido. 

Para finalizar sua participação, Gui trouxe um espectador para o palco com o qual ele havia combinado algo previamente, o espectador abriu uma foto no celular que havia sido mandada para ele e na foto havia claramente uma carta. O espectador escolheu uma carta e não era a carta da foto, Gui então disse que aquilo era planejado e que não seria mesmo pois se tratava de uma viagem no tempo, onde a carta da foto mudaria, e quando foi revelada a mudança a reação do público foi imediata. Cabe dizer que ao contrário dos dois efeitos anteriores, acredito que esse tenha sido coerente em sua forma de apresentar, tomando o efeito para si e seguindo uma linha de raciocínio clara. 

Quando falamos da apresentação como um todo ela teve sucesso em entreter o público, porém vejo como exagero utilizar em sequência dois efeitos com falsos erros de maneira seguida. Acredito que um efeito mais direto poderia ter adicionado uma camada de textura que tornaria a apresentação mais interessante. 

A segunda entrada de Barbieri foi onde poderia haver algum conflito com os pais das crianças, pois todo o texto girava em torno de um pote de pontas de maconha. Dito isso, o texto era leve e divertido. Felipe fez um número onde a média dos números escritos pelas pessoas numa lousa se igualava ao número de pontas dentro do pote. Houve um erro na instrução aos espectadores, comentado por Barbieri, porém não corrigido e isso acabou por gerar um ruído entre os espectadores na revelação do número. A revelação ficou arrastada e houve um reforço desnecessário à possibilidade de erro, o que a meu ver diminuiu a reação do público, inclusive quando ele tirou a previsão da piteira de um cigarro que estava em sua boca o tempo todo. 

Como terceiro mágico da noite, tivemos Mateus Laurini, que iniciou se apresentando e dizendo sobre a sua aproximação recente com a micromagia e a mágica contemporânea. O texto foi bom e cumpriu uma função didática ao público, que acredito ser por vezes necessária. 

Como primeiro número, Mateus apresentou uma rotina de chop cup através de uma história, que estava bem dividida entre dois momentos: primeiro com um copo real e, posteriormente, um copo invisível. A rotina é boa mas ainda precisa de acertos. A sequência de movimentos ainda precisa de refinamento e como consequência, alguns movimentos ficaram bruscos e acabaram terminando sujos, mas nada que o público notasse ou que tenha atrapalhado a rotina, apesar de um flash de uma das cargas do copo invisível. Outro ponto técnico que me desagradou, foi a desaparição da primeira bolinha no chop cup, ela é muito repentina e não tão visual. Acredito que a adição de uma cruz de mirada e distanciamento temporal entre o momento tramposo e a desaparição, melhorem o efeito. No final houve também um ponto que, acredito, possa ser trabalhado. Ao jogar o copo invisível, este cai, no fundo da sala, e gera uma reação ótima nos espectadores, porém ao pedir que passem o copo para a frente sinto a falta de algum outro efeito com o copo, quando na verdade somente surgiu o encerramento do texto. Penso que se não há nenhum efeito adicional com o copo, este pode ser simplesmente deixado para ser pego no final a fim de evitar que se forme uma barriga na apresentação ou uma falsa expectativa. 

Mateus Laurini

Como seu segundo número, Laurini apresentou seu ato “Atemporal”, onde fala da viagem no tempo, e mais uma vez conta uma história, dessa vez, um encontro seu com Juan Tamariz. O efeito, em termos técnicos, é um Triunfo com o baralho em ordem, em que, num segundo clímax, tem a alteração de estado da carta escolhida em função de sua viagem no tempo. O número é bem executado, embora não goste do método utilizado por Mateus, para forçagem. Gosto da premissa e todos os movimentos foram limpos. O ato teve uma boa reação do público e mesmo o espectador dando uma resposta inesperada, antes da revelação, tudo funcionou bem. 

Para a última intervenção de Barbieri, ele trouxe um número de Roleta Russa. O número em si foi bem executado, tudo muito claro ao público, embora eu acredite que o tom humorístico adotado no texto tenha diminuído a construção da tensão no público, que somente foi mostrar alguma apreensão no terceiro saco. O texto em si trazia um callback da sua primeira performance, o que foi um recurso interessante e trouxe uma boa dinâmica entre dois espectadores, como uma disputa amigável. No fim das contas foi um bom número, bem apresentado mas que ainda tem espaço para melhora. 

Por fim tivemos a presença de Daniel Prado, ele abriu com uma rotina de previsão de cara ou coroa feita junto de um espectador, em que a revelação era feita por meio de uma lanterna de luz negra. Foi interessante e trouxe uma boa reação do público. 

Em seguida, Prado apresentou um número em que o espectador escolhia uma carta com ele vendado. Feito isso todos deveriam gritar cartas, mas somente o espectador que fez a seleção poderia falar a carta certa. Houve um momento no qual ainda vendado, Prado perguntou à plateia onde estava a caixinha e, por uma confusão, acabou demorando para pegar esta e a colocar sobre o baralho, o que acabou gerando uma barriga na apresentação, por uma ação que poderia ter sido cortada sem problema. Durante a revelação, houve um momento interessante: como a carta escolhida era um 10 de Ouros, ao escrever o número, um espectador reagiu porque percebeu o que havia sido escrito (10), e isso acabou gerando uma boa reação também na plateia.

Daniel Prado

Por fim, Prado trouxe uma espectadora para o palco e deu início à rotina final, que era constituída de um ACAAN, com uma localização impossível, com cartas. Uma espectadora subiu ao palco, selecionou a carta e esperou ali. Houve lembrança de um baralho entregue, logo no primeiro número com uma carta selecionada e assinada dentro do baralho que estava com a espectadora. Feita a revelação do ACAAN, pede-se para mostrar que a carta escolhida pela espectadora era de fato a mesma carta escolhida no primeiro número. Em seguida, é dito para a espectadora, que estava com o baralho desde o começo do show, procurar a carta dela, que não está lá e aparece na ampulheta que estava em cima da mesa o tempo todo. O ponto mais sensível do efeito é quando a espectadora vai procurar a carta com o baralho que estava com ela o tempo todo, porque inevitavelmente ela não irá achar a carta, porém muito provavelmente, como foi o caso, a espectadora vá procurar novamente e, até que o espectador perceba que a carta realmente não está lá, isso gera um parêntese na apresentação e diminui sua potência. É necessário que se interrompa o espectador, para que haja o direcionamento para o clímax, que neste caso era a carta na ampulheta. Durante esse momento um espectador viu a carta na ampulheta e sinalizou, o que foi usado por Prado para direcionar a atenção do público para o clímax, aqui surge outro ponto de incômodo: a reação inicial de Prado foi surpresa, o que acredito também ser uma incongruência em relação ao enfoque dado por ele durante toda a rotina. Após isso, ele desmontou a ampulheta, pegou uma pinça e entregou a carta para a espectadora que selecionou a carta no começo do show. O final foi alongado, porém o público reagiu bem.

Divulgação

O espetáculo em si foi agradável de assistir e teve uma boa reação do público. Os atos funcionam de forma independente; porém, o show não mostra uma linha de pensamento que conecte um ato a outro. Houve a repetição do tema do tempo, mas como não houve uma amarração dos temas feitos pelo mestre de cerimônias, só ficou repetitivo e não aprofundado em cima de um tema tão vasto. No fim das contas, o show cumpre a função de entreter o público e agrada, mas não agrega em termos de uma experiência que vá além desses requisitos. É entretenimento puro e simples, sem nada que acrescente artisticamente à mágica. É válido ressaltar que os atos, de maneira independente, mostram esse potencial artístico, porém a falta de algo que os conecte esvazia qualquer significado que estes poderiam vir a ter. Todos os performers são agradáveis e competentes no que se propõe e isso faz o show funcionar, mas somente agradar o público não torna um trabalho em algo de qualidade.

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