Opinião

Você pode odiar o Barbieri, mas a mágica brasileira deve um favor a ele

Entendo perfeitamente a resistência que muitos mágicos têm em relação ao Felipe Barbieri. Desde os tempos do saudoso Fórum Mágico Amador até sua consolidação no YouTube, ele se envolveu em polêmicas, cometeu deslizes públicos, errou na TV e na internet. Isso gerou atritos reais com a comunidade mágica. Mas isso é passado. Pessoas mudam, amadurecem e merecem, no mínimo, o benefício da dúvida.

Divulgação/Jessica Liar

Grande parte das críticas ao Barbieri vem de mágicos que nunca pararam para assistir de fato ao conteúdo que ele produz. Só veem um recorte quando algum vídeo viraliza em grupos de WhatsApp e, ironicamente, são os próprios mágicos que compartilham esses trechos sem parar, aumentando o alcance daquilo que mais criticam.

Hoje, o canal dele vive outra fase: lives, entrevistas, reacts, debates. A era dos tutoriais como carro-chefe ficou para trás. Não, esse texto não é uma defesa cega do Felipe Barbieri. É um convite a um olhar mais crítico, mais justo e menos emocional. Ele errou, sim. Mas também reconheceu, pediu desculpas, se retratou e mudou. E isso, gostando ou não dele, merece respeito.

“Ah, mas ele desrespeitou a mágica.” Concordo. Mas quantos mágicos também não desrespeitam a arte subindo ao palco sem preparo, fazendo apresentações tecnicamente fracas, revelando segredos involuntariamente por puro desleixo? Isso também não é falta de respeito? Por que essas pessoas não sofrem o mesmo cancelamento que o Barbieri?

Vale lembrar: ele já se retratou publicamente em evento oficial do Círculo Brasileiro de Ilusionismo sobre a polêmica revelação na TV em rede nacional. Reconheceu o erro e se comprometeu a não repetir, justamente por entender o impacto negativo e irreversível que a televisão tem quando expõe bastidores da mágica para milhões de pessoas.

Quando falamos de YouTube, porém, o contexto é outro. Na TV, o conteúdo é empurrado para o público, sem filtro. No YouTube, ele é buscado ou recomendado com base em interesse prévio. É conteúdo sob demanda. Quem clica num tutorial de mágica geralmente já quer aprender mágica. É um possível futuro mágico. O algoritmo só entrega esse tipo de vídeo para quem já demonstrou interesse por esse universo. Tratar isso como “revelação gratuita” é ignorar como a plataforma e a própria internet funcionam hoje.

Reprodução da Internet

Sim, grande parte do conteúdo que o Barbieri produziu e ainda produz tem o objetivo de ensinar mágica, mas não de banalizar a revelação de segredos. A proposta é formar novos mágicos, oferecendo acesso a um conhecimento que, historicamente, era restrito a quem podia pagar por cursos, materiais e congressos.

Vivemos em um país onde até o acesso à leitura é limitado e a mágica é um hobby caro. Cursos, aparelhos, associações, congressos… tudo custa caro. Isso exclui automaticamente grande parte da população, especialmente pessoas negras, periféricas, jovens sem grana.

O YouTube, nesse contexto, se torna um instrumento de democratização. Ele permite que mais gente tenha acesso ao conhecimento mágico e, a partir daí, descubra um novo caminho de vida, de arte ou de trabalho.

Além disso, hoje o YouTube funciona como uma grande biblioteca de vídeos. Ninguém condena um jovem por entrar em uma biblioteca física e pegar um livro de mágica, certo? Por que isso seria um problema quando acontece online?

Goste você ou não, Felipe Barbieri é responsável por inspirar e formar centenas, talvez milhares, de novos mágicos. Muitos começaram assistindo seus vídeos e hoje estão em congressos, compram em lojas como Mágica +, assinam plataformas como o Mágica Online e vão ao teatro, ajudando a movimentar a economia da mágica brasileira.

Enquanto escrevo este texto, os ingressos da sessão extra do show na Timing House, com Barbieri recebendo outros mágicos no lineup, acabam de esgotar. A mágica está, de fato, se consolidando como opção de entretenimento cultural popular, pelo menos em São Paulo.

Divulgação

Ao mesmo tempo, outros mágicos desdenham, debocham dos colegas de elenco e até tentam boicotar, de forma patética, o espetáculo. Aí eu pergunto: quantos novos mágicos você, que está lendo isto, já formou ou pelo menos atraiu para a mágica? E quantas pessoas já foram, são e ainda serão impactadas pelo trabalho do Barbieri?

No fim do dia, estamos todos no mesmo barco. Uns no palco, outros nos bastidores, outros ensinando. Cada um à sua maneira, tentando viver de mágica e pela mágica.

Quem traz gente nova para a arte, renova o público e mantém a mágica viva merece tanto respeito quanto os profissionais consagrados ou os nerds da mágica que só performam para si mesmos e para outros mágicos. A mágica é diversa, plural e tem espaço para o novo conviver com o tradicional, sem necessidade de guerra ou ruptura.

A indústria do ilusionismo só vai acontecer de verdade no Brasil quando todos os players entenderem seu papel na cadeia produtiva, respeitarem o lugar dos outros e pararem de puxar para lados opostos. Como me ensinou meu camarada Gui Ávila: sozinhos vamos mais rápido, mas juntos vamos mais longe.


Esse é um artigo de opinião pessoal do autor, não representando necessariamente a opinião institucional do Adoro Mágica

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